Vida de Estrada

Siga em fila vai
9 emprego 5 sai
Quinto império do atalho
Bomba, escola, pão, talho
Trívia e televisão
Aurora do quadrilião
No ar um cheiro a esturro
Bom pró esperto, mau pró burro

Perto, tão perto do oásis no deserto
Longe, tão longe de ir lá hoje
Mora, demora
O que é bom nunca é pra agora
Quem me dera ir daqui pra fora

Trânsito no Jamor
A ouvir notícias do terror
Troika, bolha imobiliária
É cara a vida e a pensão precária
Água, cabo, net
Luz, ginásio, yoga, creche
IUC, IMI, IRS
Paga paga, esquece esquece

Fraco tão fraco o sol neste buraco
Boa, é tão boa a vida boa
Mora, demora
O que é bom nunca é pra agora
Quem me dera ir daqui pra fora

Mergulhar mãos no volante e adiante
Pra qualquer lugar
Vidro aberto, rádio alto, no asfalto
Sem apoquentar
Saborear o mar, as serras
Cobrir-me de pó e geada
Roer o osso desta terra
Na vida de estrada

Sismo no Japão
Zara, nova coleção
Espionagem, guerra, muda o tema
Woody Allen no cinema
Zapping e jornal
Série e logo futebol
O vizinho num concurso
A fazer figura de urso

Chato, tão chato papar grupo barato
Oco, tão oco o circo louco
Mora, demora
O que é bom nunca é pra agora
Quem me dera ir daqui pra fora

Mergulhar mãos no volante e adiante
Pra qualquer lugar
Vidro aberto, rádio alto, no asfalto
Sem apoquentar
Saborear o mar, as serras
Cobrir-me de pó e geada
Roer o osso desta terra
Na vida de estrada

Onde não há prazos nem obrigações
Não há debates nem euromilhões
Onde o sol eleva e a frescura acata
Sem consulta ao homeopata
Onde a cura é sem vacina
E a cardina é sem pesar
Por lagoas e colinas
Vê-se a lágrima a secar
Dá o vento na cara
E nada nos pára
Nada nos páááára

Perto, tão perto do oásis no deserto
Longe, tão longe de ir lá hoje
Mora, demora,
O que é bom nunca é pra agora
Quem me dera ir
Quem me dera ir daqui
Quem me dera ir daqui pra fora

Mergulhar mãos no volante e adiante
Pra qualquer lugar
Vidro aberto, rádio alto, no asfalto
Sem apoquentar
Saborear o mar, as serras
Cobrir-me de pó e geada
Roer o osso desta terra
Na vida de estrada


Informações:
 Disponível no álbum Diabo na Cruz (2014).
Letra e música por Jorge Cruz.

Produzido por Jorge Cruz e Sérgio Pires.
Misturado por Nelson Carvalho.
Masterizado por Andy VanDette.

Curiosidades:
  Vida de Estrada foi o primeiro single do álbum Diabo na Cruz. O v
ídeo foi realizado por Joana Faria, com animação de Maria João Carvalho.

  Numa entrevista, Jorge Cruz falou sobre a importância de Vida de Estrada: «É uma canção importantíssima para nós porque foi uma espécie de renascimento para o grupo, anunciou uma fase nova, e ainda é a canção mais importante do novo reportório, aquela que as pessoas cantam com mais ânimo nos concertos, tal como músicas antigas como Dona Ligeirinha ou Os Loucos Estão Certos.»

 Jorge Cruz: «É uma música que representa bem Diabo na Cruz. Tem aquela sonoridade rápida e dançável, muita palavra incisiva e forte, tem a ver com Portugal. É uma espécie de trava-línguas rappado numa cena meio beat anos 60, tipo trad-mod rock'n'roll. O ponto de partida era ser uma música sobre estrada, sobre liberdade e a vontade de escapar, mas depois referenciar muitas coisas. A ideia de colar ali muitas refêrencias é um exercício interessante para quem escreve, jogar com o som das palavras. Nós queremos conseguir que visualizes o que está a ser dito porque isso chama o público para o pé de nós e para a nossa viagem. É uma forma de comunicar mais eficaz.»

 João Pinheiro: «Eu normalmente gosto de olhar para essa letra, sem deixar de ser laboriosa e trabalhada como as letras do Jorge são, mais directa e menos encriptada, menos fechada. A mim dá-me bastante mais prazer de perceber do que se trata mas também conseguir ir para além da letra em si. Eu não vejo como uma canção que fale só da vida de estrada e de nós. Fala acima de tudo da liberdade, da liberdade em que nós devemos ter – "Isto está muito mau, não vamos ficar aqui presos, vamos mentalmente sair" . A canção Vida de Estrada é uma coisa que vai muito mais além daquilo que nós curtimos na estrada quando estamos juntos a tocar. De certa forma, é uma vida de estrada mental porque tem a ver com a possibilidade das pessoas poderem sair.»

 Jorge Cruz: «Vida de Estrada é sobre a vida portuguesa na actualidade, por um lado, e sobre o Diabo na Cruz, por outro. É sobre as vidas que todos levamos, sobre o que nos ocupa, o que nos distrai, o que nos consome. Mas é também o nosso regresso, enquanto Diabo na Cruz, à nossa vida que é a Vida de Estrada. Toda a gente precisa de um escape. Toda a gente precisa de encontrar um motivo que seja só seu, precisa de se sentir livre, de se sentir capaz. Para nós, no Diabo na Cruz, esse motivo é esta banda, esta paixão pelo país e pela sua musicalidade. Às portas do terceiro disco, o motivo é também o privilégio de partilharmos esta música com públicos tão distintos, de sensibilidades tão díspares.» 


 Numa entrevista, Jorge Cruz revelou que "Vida de Estrada" foi escrita no Alentejo: «Em muitas músicas escritas para Diabo na Cruz, eu acabo por ter que me deslocar para estar sozinho e me concentrar. A Vida de Estrada foi escrita em Alpalhão, quis que fosse uma música que falasse ao mesmo tempo daquilo que nós fazemos, que é mostrar a nossa música na estrada, mas também falar da necessidade de escape. Para muita gente das grandes cidades, uma das formas da escapar é viajar para o Alentejo, portanto se calhar foi isso que me inspirou para escrever a canção a partir do Alentejo.»

  Vida de Estrada é a música que Sérgio Pires mais gosta de tocar na viola braguesa: «A ter de escolher uma neste alinhamento mais recente, vou escolher a Vida de Estrada, pois posso explorar várias abordagens rítmicas na braguesa, desde uma abordagem mais tradicional até uma mais roqueira e ainda ter espaço para alguma loucura sónica mais exploratória.»


Comentários:
  «Vida de Estrada é mais uma prova de que os Diabo encontraram a fórmula certa para o pop/rock português (com raízes fundas no nosso cancioneiro popular) e prosseguem a sua disciplinada exploração. Com uma letra tongue-in-cheek que faz um rápido retrato da atualidade nacional, facilmente nos conseguimos rever nas preocupações de Jorge Cruz. “Vida de Estrada” é sobre nós portugueses hoje, é sobre uma banda que percorre o país em digressões e é principalmente sobre uma vontade de evasão que não chega a ultrapassar as nossas fronteiras.» Ouve-se