Fronteira

As flores pelo chão
Pisadas desde o baile
O vento frio
Só mulheres de xaile
Tudo me contaram
Quando eu dei aos ares de Espanha
Uns desceram para sul
Eu fiquei a ver Idanha

Ai de mim, não faço nem ideia
Prometi partir na lua cheia
Páro pra um bagaço na estação
Nos olhos de um beirão
Vejo a fera da fronteira

Ir pra Angola
Pode mesmo ser a salvação
Ou São Paulo
Receber calor de um povo irmão
Ir abastecer-me onde há quem dance

Promessas de Verão
Os marinhões as quebram
Praia fora vão
Se águas-más lhes pegam
Não posso mais esperar
Que a terra se alevante
"Ser firme a procurar"
Quero ir para diante

Ai de mim se tudo é ao contrário
Tenho de ir cumprir nosso fadário
Acabo de engolir num repelão
Pergunta o bom beirão
Se isto era necessário

Ir embora pode mesmo ser a solução
Ver trabalho, brio, recompensa pela aflição
Mas se isto não mudar eu não descanso…

E se eu for
Quem te espera, Mariana?
Vais dormir nas guardas quentes de que cama?
Se eu for
Quem vê paz na tua estampa?
Pra onde irás se eu só voltar pra pôr cá a minha campa?

Ai de mim não faço nem ideia
Prometi partir na lua cheia
Páro pra um bagaço na estação
Nos olhos de um beirão
Vejo a fera da fronteira


Informações:

 Disponível no álbum Roque Popular (2012).
Letra e Música de Jorge Cruz. 

Produzido por Jorge Cruz.
Misturado por Eduardo Vinhas. 
Masterizado por Andy VanDette.

Curiosidades:
 Jorge Cruz sobre "Fronteira": «Nessa canção fala-se de emigrar e de sítios que passam pela cabeça dos portugueses quando pensam em fugir de um beco sem saída, saltando para outro país. Durante muito tempo, Portugal recebeu gente do Brasil à procura de trabalho, parece que estamos a entrar numa era em que vai ser ao contrário e há muitos portugueses a pensar de novo no Brasil como país de acolhimento para uma nova vida. Na música fala-se de receber calor de um povo irmão, procurar trabalho onde há quem dance. Isso é também um bom pretexto para dizer qualquer coisa sobre a música popular portuguesa, em oposição à música popular brasileira ou angolana, por exemplo. Uma parte importante da razão do nosso trabalho é precisamente a missão provocadora de resgatar a dança para a nossa música popular.»

Comentários:
 «Em Fronteira, vai-se contando a história deste país, olhando para o Portugal emigrante. É esta portugalidade que outros autores como um Zeca Afonso ou até um Quim Barreiros mostram nos seus temas e que de facto lhes atribui um carácter singular.» Edição Limitada

 «Referência explícita à emigração, que tem sido a senha e solução de vida para muitos portugueses nos últimos tempos – o que acaba, aliás, por retomar um certo fado lusitano a que se costuma chamar diáspora.» Bodyspace