Duzentas Mil Horas

Duzentas mil horas
De solas em brasa
Agora, clamor
Vou no diabo a vapor
Já só paro em casa
Viagens, canseiras
Por nevoeiro denso
Parece milagre
Vou voltar
Ao lugar onde pertenço

Olha o sol a pôr lá por trás da encosta
Olha o alpendre já tem mesa posta
A bola entalou-se entre ramos de árvore
Olha o grito: "Quem vem ajudar-me"

Ma-ma-ma-ma-ma
Maria tu avisavas
Eu não te ouvia
Ma-ma-ma-ma
Meia vida feito galo de corrida

Duzentas mil horas
De solas em brasa
Agora, clamor
Vou no diabo a vapor
Já só paro em casa

Desvendei, desvendei
A morte da bezerra
Fui Solnado a ligar para a guerra
Admiti, admiti
Em respectiva sede
Sorte de Camilo, calma de Mamede

Ma-ma-ma-ma-ma
Maria tu dizias
Eu não escutava
Má-má-má-má
Mágoa antiga
Só no teu regaço acaba

Duzentas mil horas
De solas em brasa
Agora, clamor
Vou no diabo a vapor
Já só paro em casa
Viagens, canseiras
Por nevoeiro denso
Parece milagre
Vou voltar
Ao lugar onde pertenço

Ma-ma-ma-ma-ma
Maria e agora?

Ma-ma-ma-ma-ma
Maria tu avisavas
Eu não te ouvia
Ma-ma-ma-ma
Meia vida feito galo de corrida

Duzentas mil horas
De solas em brasa
Agora, amor
Vou no diabo a vapor
Já estou quase em casa
Adeus odisseias
Longos silêncios
Entrámos na estrada
Que vai dar onde eu pertenço

Duzentas Mil Horas
De solas em brasa
Agora, clamor
Vou no diabo a vapor
Já só paro em casa
Adeus odisseias, longos silêncios
Viagens, canseiras, nevoeiro denso
Solas queimadas pra regressar
Vou voltar, vou voltar, vou voltar
Ah tou mesmo a chegar!


Informações:
 Disponível no álbum Diabo na Cruz (2014).
Letra e música por Jorge Cruz.

Produzido por Jorge Cruz e Sérgio Pires.
Misturado por Nelson Carvalho.
Masterizado por Andy VanDette.

Curiosidades:
 A letra de “Duzentas Mil Horas” foi a última a ser escrita para o álbum Diabo na Cruz. Jorge Cruz
«Eu acho que é como aquelas séries que têm temporadas. A “Vida de Estrada” é a primeira época e a “Duzentas Mil Horas” é a segunda época – da mesma série. E a “Duzentas Mil Horas” foi a última letra a ser escrita no disco, porque a primeira música [do alinhamento] devia responder ao que o disco é até aí. E para mim, do ponto de vista muito pessoal, decidi fazer uma música sobre regressar a casa, por ser Diabo na Cruz e o álbum chamar-se Diabo na Cruz. A questão da casa aí é uma metáfora sobre a importância da casa-país, naquilo que enforma a nossa cultura e a experiência. Porque isto podia ser uma coisa um bocado retrógrada, num tempo como o de agora em que se viaja de avião por 10 euros, em que há internet, por que é que havemos de estar obcecados com um território tão pequeno? E, portanto, pareceu-me rico começarmos por aí, pela casa. E a “Vida de Estrada” é a procura de uma casa fora dali, num sítio mais puro. E a “Duzentas Mil Horas” responde um bocado a essa pureza. Não são tão contraditórios assim, é um capítulo seguinte, quase como se a personagem já tivesse saído dali e depois de duzentas mil horas, de solas em brasa, finalmente encontra a sua casa.»

 Jorge Cruz: «Foi a última canção a ser escrita precisamente porque sabíamos que ia ser a primeira [do disco]. Responde um bocado ao disco que é uma viagem, começarmos num sítio e terminarmos noutro. A vida também é um bocado assim e a ideia para esta canção é o regresso a casa, que toda a gente entende, mas que também pode ter outras leituras. Uma das leituras é que esta banda sempre se interessou pela ideia de casa, pela ideia de território, pela ideia de pertença. E pareceu-nos fazer sentido começar o disco a falar sobre isso.»

 A linha "calma de Mamede" é uma referência a Fernando Mamede, atleta alentejano que em 1984 se tornou recordista mundial dos 10000 metros, batendo Carlos Lopes, o seu colega do Sporting. Nos Jogos Olímpicos de Los Angeles (1984), Fernando Mamede era o grande favorito ao ouro olímpico. A final colou os portugueses ao ecrã da televisão, madrugada dentro, à espera do título olímpico, mas o atleta cedeu à pressão e desistiu a meio da prova. O seu recorde mundial de 10000 metros só caiu em 1989 e o seu nome ficou para história – e eternizado nesta canção.